INTRODUÇÃO (Romanos 9: Uma Leitura Arminiana Sob a Nova Perspectiva)

Introdução


Romanos 9 é geralmente citado como um dos mais claros exemplos escriturísticos na doutrina reformada da eleição individual: ela discute a escolha soberana de Deus de Isaque em preferência a Ismael e Jacó em vez de Esaú, sem levar em conta qualquer mérito do escolhido ou demérito dos não escolhidos. Depois é contra-atacado ser a objeção arminiana que a eleição incondicional parece injusta para nosso senso humano de justiça, e usa-se Faraó como exemplo de alguém que Deus 'levantou' para o expresso propósito de tornar-se uma demonstração do poder de Deus. Deus suporta com muita paciência esses 'objetos de ira' a fim de glorificar-se ante aos 'objetos de sua misericórdia', ou seja, os eleitos (veja Agostinho, "To Prosper and Hilary" 14; Calvino, Institutes 3.22.4-6).

Eu afirmaria que esta interpretação ignora o contexto maior de Romanos 9-11, cujo tema principal é lutar com as implicações do Evangelho para a nação de Israel. Ele também ignora os contextos das citações de Paulo do Antigo Testamento, que quando vistos sob uma perspectiva correta, lançam uma luz diferente nos argumentos de Paulo. Paulo está lutando contra o fato de que Deus tenha feito certas promessas nas Escrituras concernentes a Israel, muitas das quais ele vê como cumpridas em e por intermédio de Jesus Cristo. Porém Israel como um todo não veio a Cristo. O que isto significa para Israel, para a veracidade da Escritura, e para o Evangelho de Paulo? Estas questões dominam a mente de Paulo em Romanos 9-11, e suas assertivas sobre eleição devem ser analisadas em termos destas questões.

Romanos 9:1 faz uma clara ruptura com o que vinha acontecendo antes, e ainda os capítulos que se seguem são intimamente relacionados com os que o precedem. Paulo tem demonstrado em Romanos 1-8 a queda da humanidade (tanto judeus como gentios), justificação não por "obras da lei" (ergon nomou, Rm 3:20) mas sim pela "fé em Jesus Cristo" (pisteos Iesou Christou, Rm 3:22), Abraão como um exemplo de justificação pela fé, e as implicações práticas da justificação pela fé. O argumento teórico de Paulo é de fato bem envolvido no final do capítulo 8, exceto por estabelecer a relação entre sua doutrina de justificação pela fé em Cristo e o relacionamento histórico que Deus tem tido com o Israel étnico. Ainda que Paulo represente a justificação pela fé não como novidade mas como algo que começara com Abraão, isto não responde a questão de por que Deus havia relacionado a seu povo Israel primariamente na base de sua descendência por Abraão e de sua guarda da Lei. A Escritura deixa claro que os israelitas se viam a si mesmos como relacionando-se com Deus na base destas duas coisas (descendência de Abraão: Gn 26:24, Dt 4:37, Mt 3:9, Lc 1:72-74; mantendo a Lei: Ex 20:6; Lv 26:3; 1Rs 9:4-5; Ne 1:9; Dn 9:4; Mt 19:17; At 15:5). O povo judeu, que não estava vindo em grande número a Cristo, poderia muito bem argumentar que se a doutrina de Paulo sobre a justificação pela fé fosse verdade, então Deus essencialmente quebrara Suas promessas com Israel. Se Israel vê a inclusão na aliança como baseada na descendência de Abraão e na manutenção da Lei, então como Deus poderia voltar atrás e dizer "não, inclusão na aliança não é baseada em descendência de Abraão nem em manter a Lei, mas sim na fé em Cristo"? Parece-lhes que a Palavra de Deus havia falhado (Rm 6), que é o que Paulo se esforça na disputa em Romanos 9-11.

Em resumo, o argumento de Paulo se inicia atacando as duas hipóteses que haviam sido feitas sobre o relacionamento de Deus para o Seu povo. A linha de argumentação de Romanos 9-11 tem por finalidade responder à acusação específica de que, se o Evangelho de Paulo fosse verdadeiro então a Palavra de Deus haveria falhado acerca de Israel. Muito da interpretação tradicional desta passagem parece manter essa ênfase em mente apenas em uns poucos versos, mas de fato esta acusação é a posição primária contra a qual Paulo está escrevendo ao longo destes três capítulos. É a posição essencial do "interlocutor hipotético" que Paulo invoca em Rm 9:19-20, e é implicada em uma série de outros versos (por exemplo, Rm 9:6,16,32). No capítulo 3, Paulo já havia demolido a possível objeção de que os judeus podem confiar na guarda da Lei; porém, os judeus poderiam ainda confiar na descendência de Abraão como indicativo de sua inclusão na comunidade da aliança. Após isto tudo, as promessas do Antigo Testamento relacionadas à restauração de Israel não estão subordinadas à perfeita guarda da Lei; em alguns casos, aparenta que a adesão à Lei é na verdade uma das promessas a serem cumpridas (p.ex. Jr 31:33). Então se Paulo afirma que a justificação é pela fé em Cristo, e se este padrão acaba por excluir a maioria dos judeus, os que não vieram à fé em Cristo, então parece que as promessas de Deus a Israel são vazias.

A resposta de Paulo é simplesmente para demonstrar que Deus nunca escolheu descendentes em Abraão, meramente por descendência física, para inclusão na comunidade da aliança. Isto é claro porque nem todos os descendentes de Abraão foram incluídos, mas apenas os descendentes de Isaque e depois os de Jacó. Em outras palavras, o "atrito" (se nos for permitido chamar assim) que ocorre entre as gerações de Isaque e Jacó não para aqui, mas continua através descendentes de Israel. É neste sentido que "nem todos os descendentes de Israel são Israel" (Rm 9:6)

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