FARAÓ (Romanos 9: Uma Leitura Arminiana Sob a Nova Perspectiva)

Faraó

Faraó

Paulo reforça sua afirmação de que a doutrina de fato não implica injustiça em Deus citando Ex 33:19, em que, em referência a Moisés, Deus afirma:

Porque diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e terei compaixão de quem me aprouver ter compaixão.{Romanos 9:15 Almeida Recebida}

Como em Romanos Paulo segue para discutir o Faraó em Êxodo, esta citação é ordinariamente entendida para primariamente implicar sua negação – que Deus tem também o direito de recusar misericórdia e compaixão a quem Ele quiser. Porém, em seu contexto original no Livro do Êxodo, Deus não faz esta afirmação para justificar Sua recusa de misericórdia a alguém, mas sim para justificar sua concessão a Moisés de mostrar-lhe Sua Glória (Ex 33:18). Isto vem do contexto mais amplo do episódio do bezerro de ouro e da destruição das primeiras Tábuas do Testemunho (Ex 32-33). A conversa de Moisés com Deus (Ex 33:12-20) aparenta revelar uma preocupação genuína de que Deus abandonaria Seu povo e que Moisés seria deixado para guiá-los por conta própria. O fato de Moisés ter que talhar o segundo o segundo par de Tábuas levou alguns especialistas a sugerir que Moisés não era totalmente indesculpável na sua resposta aos israelitas. Uma subsequente explosão de raiva impediria Moisés de adentrar a Terra Prometida. Não obstante, Deus escolheu ter misericórdia de Moisés e permiti-lo ver Sua Glória. Portanto, como Paulo nota em Rm 9:16, o favor de Deus "não depende do desejo ou esforço do homem, mas da misericórdia de Deus". Mesmo Moisés não recebeu bênçãos como resultado de seguir a Lei ou ser da descendência de Abraão. Ele foi um receptor da graça de Deus. Aqueles que esperam as bênçãos de Deus baseados em etnia ou em seguir os mandamentos divinos não poderiam se exaltar nisto, nem mesmo acima de Moisés a este respeito!

Paulo então se torna para Faraó:

Pois diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei: para em ti mostrar o meu poder, e para que seja anunciado o meu nome em toda a terra. {Romanos 9:17 BLIVRE}

Isto é tipicamente tomado como significando que Faraó foi posto numa posição de poder especificamente para ser destruído pelas pragas no Egito, e então significando que Deus pode, com justiça, criar pessoas para o propósito de condená-las e assim glorificar-Se a Si mesmo. Novamente, examinando-se a citação em seu contexto original nos dá outra visão:

Pois agora eu estenderei minha mão, para te ferir a ti e ao povo com pestilência; e serás tu cortado da terra.E deveras por este motivo eu te levantei, para mostrar em ti o meu poder, e que meu nome seja anunciado por toda a terra. {Êxodo 9:15-16 King James}

Em outras palavras, o ponto que o SENHOR levanta em Faraó não era que Ele iria destruir Faraó para mostrar Seu poder, mas que Ele não havia ainda destruído Faraó, a fim de demonstrar Seu poder. A nota de margem da Bíblia NIV captura este sentido perfeitamente – o poder de Deus fora demonstrado precisamente para poupar Faraó e não para destruir o Egito mais rapidamente. 1 O contexto maior, Ex 13:17, coloca esta afirmação em um de vários apelos a Faraó para que deixe Israel ir embora, ou então outra praga virá, e especificamente acusa Faraó pela sua própria obstinação em recusar o povo a ir.

Portanto, quando Paulo em Romanos 9 chega à conclusão de que "Deus tem misericórdia de quem Ele quer ter misericórdia, e ele endurece a quem quer endurecer" (Rm 9:18), tipicamente se entende que Faraó é o exemplo de Deus de endurecimento. De fato, como a citação demonstra, Faraó foi tanto um exemplo de misericórdia quanto de endurecimento de Deus. Deus é misericordioso com Faraó até certo ponto, em que Ele não destrói o Egito imediatamente, mas adverte o Faraó através das pragas. Ele também, como sabemos, endureceu Faraó também, apesar de se afirmar que Faraó endureceu a si mesmo.

Mas o que fazer do endurecimento de Faraó por Deus? Paulo não cita passagem alguma referente diretamente ao endurecimento de Faraó, nem explica como se dá tal endurecimento, apesar de claramente se referir a ele. Em Êxodo, o endurecimento do coração de Faraó é expresso de quatro maneiras: o Senhor profetiza que Ele endurecerá o coração de Faraó (Ex 4:21; 7:3; 14:4); o endurecimento é citado passivamente, sem um sujeito expresso ("O coração de Faraó foi endurecido": Ex 7:13,22; 8:19; 9:35); é relatado que Faraó endureceu seu próprio coração (Ex 8:15,32; 9:34); e o Senhor endurece o coração de Faraó (Ex 9:12,10:1,20,27; 11:10; 14:8). Em geral, o endurecimento é expresso passivamente ou atribuído a Faraó nas primeiras pragas, e atribuído mais frequentemente à ação direta do Senhor nas pragas seguintes. Uma maneira de olhar para este endurecimento, portanto, é que Faraó incorre em julgamento sobre si mesmo ao endurecer seu próprio coração inicialmente, e depois ele fora endurecido pelo Senhor, para mostrar o poder de Deus. O Senhor, certamente, já sabia o que iria acontecer, e pré-alertou Moisés deste fato.

Outra maneira de olhar a este endurecimento é reconhecendo vários tipos de causação. O que o Senhor realmente faz é confrontar Faraó por intermédio de Moisés e enviando as pragas. O que Faraó faz é responder recusando a demanda de Moisés; em outras palavras, endurecendo seu coração. Faraó portanto endurece seu próprio coração, no sentido em que ele mesmo escolhe responder assim; o Senhor endurece o coração de Faraó, no sentido de lhe fornecer o ímpeto para Faraó responder daquela maneira. Do mesmo modo, podemos dizer que uma pessoa nos irritou, mas de fato aquela pessoa meramente forneceu o ímpeto para que nos tornássemos agressivos; fomos nós que respondemos em ira.

De todo modo, não tem como imaginar que Deus forçou Faraó a endurecer seu coração à parte dele mesmo; em outras palavras, que Deus fez Faraó endurecer seu coração quando ele de outra maneira não havia feito. Qualquer pessoa concordará que Faraó era culpado pelo seu próprio endurecimento, não importando se ele era predestinado ou não. O fato de Deus "endurecer a quem ele quer" não anula o fato de que aqueles a quem Ele endurece, também se endurecem a si mesmos. Em outras palavras, somos informados que Deus endurece a quem lhe apraz, mas não em que base ele endurece alguns e não a outros.

Esta discussão sobre o endurecimento de Faraó se torna relevante na interpretação de Romanos 9 quando examinamos o verso a seguir: "Um de vocês me dirá, Então por que Deus ainda nos culpa? Pois quem tem resistido à sua vontade?" (Rm 9:19). Tipicamente, o entendimento deste verso é ver Faraó, como o típico não-eleito, sendo endurecido pelo Senhor, não obstante responsabilizado por Deus, e ver o hipotético interlocutor questionando a justiça desta situação. "Como pode Deus responsabilizar Faraó", o interlocutor se pergunta, "ou por extensão, qualquer não-eleito, quando Ele Mesmo predestinou tal resposta?". Portanto, Então, a típica interpretação vê o interlocutor como espelhando precisamente a posição arminiana (veja, por exemplo, Institutes 3.22.8)

Esta interpretação, porém, faz o hipotético interlocutor identificar-se muito fortemente com Faraó. (A NIV reconhece este problema fazendo o objeto do ódio do Senhor "nós", apesar de o grego não prover tal referência.) O interlocutor não tem nenhum interesse em saber se Deus tratou Faraó com justiça! Ele vê, isto sim, o ponto que Paulo está fazendo com relação ao Israel étnico. Deus não é injusto (Rm 9:14) em escolher gentios que tenham fé, ao contrário dos judeus que tentam manter a Lei, porque Deus "tem misericórdia de quem Ele quer e endurece quem Ele quer" (Rm 9:18). Se Deus quiser ter misericórdia daqueles que vêm a Ele pela fé, e endurecer aos que não vêm, não levando em conta sua etnia ou obediência à Lei, isto é assunto de Deus. O ponto de Paulo acerca de Faraó não é que Deus teve misericórdia de Moisés e reprovou Faraó, o que facilmente encaixaria com o entendimento natural de um judeu; o ponto é que Deus tem todo o direito de definir soberanamente os critérios de sua misericórdia ou endurecimento.


1

Como na Septuaginta, dietarathas, mantido ou preservado. Rm 9:17 usa exegeiro, levantar, mas no senso de despertar do sono ou sendo incitado. Não significa algo como "levantado a uma posição de poder". A única ocorrência além desta no Novo Testamento é 1Co 6:14, referente à ressurreição dos crentes.

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