Perseverança dos Santos Parte 6

Perseverança dos Santos Parte 6: Hebreus 10:26-30

Perseverança dos Santos Parte 6: Hebreus 10:26-30

Vamos agora examinar aquela que eu considero ser a mais significativa advertência contra apostasia em toda a Bíblia: Hebreus 10:26-30, 35-39. Vou citar o texto completo que desejo examinar abaixo mas este post irá lidar com os versos 26-30. Os versos 35-39 serão examinados em um post futuro.

{26} Porque nós, ao percarmos voluntariamente depois de recebermos o conhecimento da verdade, já não mais resta sacrifício pelos pecados; {27} Mas sim, uma certa terrível expectação de julgamento, e um ardor de fogo estando a ponto de devorar os adversários. {28} Menosprezando alguém a Lei de Moisés, morre sem misericórdias sobre a palavra de duas ou três testemunhas; {29} De quanto pior castigo pensais vós será julgado merecedor, aquele que pisou o Filho de Deus, e estimou por profano o sangue do Testamento, no qual ele foi santificado; e insultou o Espírito da graça? {30} Porque nós conhecemos aquele que disse: Minha [é] a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E [em] outra vez: O Senhor julgará o seu povo. {31} Temível coisa é cair nas mãos do Deus vivente. {32} Lembrai-vos porém dos dias passados, em que havendo sido iluminados, suportastes grande combate de aflições; {33} Quando na verdade, em parte, fostes feitos espetáculo público tanto em insultos, como em tribulações; e em parte, fostes tornados companheiros daqueles que assim estavam sendo tratados. {34} Porque também vos compadecestes das minhas prisões, e com alegria aceitastes a espoliação dos vossos bens, sabendo em vós mesmos que tendes nos Céus um bem melhor e que permanece. {35} Portanto não rejeiteis a vossa confiança, que tem grande remuneração de recompensa. {36} Porque tendes necessidade de paciência, para que havendo feito a vontade de Deus, recebais a promessa. {37} Porque ainda um pouquinho de tempo, e aquele que vem, virá, e não tardará. {38} Mas o justo viverá da fé; e se alguém se retirar, a minha alma não tem prazer nele. {39} Mas nós não somos daqueles que se retiram para perdição, mas daqueles da fé para a salvação da alma. {Hebreus 10:26-39 BLIVRE}

Examinaremos esta passagem verso a verso com notas exegéticas pelo caminho.

{Verso 26} Porque nós, ao percarmos voluntariamente depois de recebermos o conhecimento da verdade, já não mais resta sacrifício pelos pecados;

O pecado voluntário descrito aqui é geralmente entendido como sendo o pecado da apostasia (o mesmo em Hb 2:1, 3:12, 6:6 e 12:25). É o ato decisivo de repúdio à fé. Isto é consenso geral apesar do particípio presente. Os calvinistas Peterson e Williams escrevem:

Por causa da severidade do restante deste verso, entendemos o pecar "voluntariamente" como indicativo de uma deliberada renúncia da fé em vez de falar genericamente do pecado intencional. [Why I Am Not An Arminian, pg. 85]

Donald A. Hagner concorda:

As palavras 'ao pecarmos voluntariamente' mantém o pecado não referente a pecados ordinários, mas ao mais grave e final pecado, a apostasia. ('manter-se no pecado' pela NIV é uma adição interpretativa com a intenção de refletir o particípio presente d grego; aqui porém, pode ser que a tradução mais direta 'se pecamos' da KJV e RSV é uma tradução mais apropriada.) [NIBC: Hebrews, pg. 169]

O paralelo com outras passagens de alerta em Hebreus apoiaria esta interpretação. O uso do particípio presente poderia também se referir à contínua rebelião que endurece o coração, que está especificamente em vista no resto da passagem.

A segunda parte da passagem nos informa que seu repúdio toma lugar "depois de receber o conhecimento da verdade". Esta é uma frase significativa especialmente à luz do uso do grego epignosis para "conhecimento". Vou citar do meu post sobre 2Pe 2:20 acerca da significância de como esta palavra grega é usada aqui:

É também significante que a palavra grega para "conhecimento" usada nessa passagem é epignosis. Esta palavra grega é predominantemente usada pelos escritores do Novo Testamento com referência a um conhecimento completo e abrangente, em contraste a um conhecimento investigativo ou superficial (gnosis). Strong diz sobe epignosis, "discernimento completo" [Strong's Exhaustive Concordance, #1922]. Kittel diz, "a epignosis composta pode assumir um sentido quase técnico para a conversão ao cristianismo" [Theological Dictionary of the New Testament, 121]. O dicionário expositivo Vine do Antigo e Novo Testamento diz sobre gnosis, "primariamente uma busca pelo saber, um inquérito, uma investigação", e sobre epignosis, "denota conhecimento, discernimento, reconhecimento exato ou completo, e é uma forma mais completa do No. 1 [gnosis], expressando um completo ou repleto conhecimento, uma maior participação pelo conhecedor do objeto conhecido, portanto mais poderosamente influenciando-o" [pg 631]. A NASB traduz epignosis como "real conhecimento" e, Fp 1:9 e "verdadeiro conhecimento" e, 2Pe 1:3,8. Em Cl 1:9 epignosis faz referência a "todo entendimento e sabedoria espirituais" e "ao espírito de revelação e sabedoria" em Ef 1:17 (veja também Filemom 4-6).

Especialmente considere a linguagem salvífica em 1Tm 2:3,4, "Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador; O qual quer que todos os homens se salvem e venham a conhecer [epignosis] a verdade", comparada com Hb 10:26, "Porque nós, ao percarmos voluntariamente depois de recebermos o conhecimento [epignosis] da verdade...". Enquanto esta é forte evidência em favor da visão de que o apóstata como alguém que teve uma completo e salvífico conhecimento da verdade, a escolha de epignosis, por si só, não demonstra que seja este o caso. Epignosis e gnosis são usadas de maneira intercambiável na Escritura, mas o sentido mais forte de epignosis não deve ser ignorado. Mesmo se gnosis fosse usada, o contexto ainda sugeriria conhecimento salvífico. Paul Ellingworth escreve em seu comentário sobre o texto grego que este "conhecimento da verdade" é:

...o conteúdo do Cristianismo como a absoluta verdade (Bauer 2b); 'o decisivo conhecimento de Deus que é implicado na conversão à fé cristã' (R Bultmann in TDNT 1.707). A linguagem não é típica do autor, e sugere uma fórmula. Os paralelos mais próximos no NT são 1Tm 2:4; 2Tm 2:25,3:7; Tt 1:1, todas sem artigo; cf. Jo 8:32, 1Jo 2:21; 2Jo 1... a visão de Kosmala (137) que o 'conhecimento da verdade' neste verso 'não inclui mesmo assim a fé em Jesus Cristo' não ganha apoio e é alienada do contexto. (The Epistle to the Hebrews: A Commentary on the Greek Text, pp 532, 533)

A última parte do verso cria grandes problemas para o calvinismo acerca da doutrina da expiação limitada: "já não mais resta sacrifício pelos pecados". Repudiando a fé não existe mais nenhum sacrifício disponível ao apóstata. Porém, se o calvinismo está correto então jamais houve qualquer sacrifício feito para o apóstata desde sempre. O "apóstata", de acordo com o calvinismo, é na realidade apenas um reprovado que veio à borda da fé salvífica e então virou-se contra ela. O apóstata jamais colocou fé em Cristo e sua recusa apenas revela sua verdadeira natureza não-regenerada e irrevogavelmente reprovada. O calvinismo afirma que Cristo não morreu pelos reprovados e jamais fez qualquer provisão por seus pecados. Como então pode ser dito que pelo ato de apostasia "não mais resta sacrifício pelos pecados"? Esta dificuldade apenas se agiganta depois na passagem como logo veremos.

Alguns podem objetar que o verso pode ser entendido como simplesmente afirmando que não há outro sacrifício disponível para o apóstata voltar e nenhum outro sacrifício pode ser feito dado que Jesus morreu "uma vez por todas [em tempo]". O fato permanece, porém, que tal asserção parece desnecessária à luz da advertência em si já que nunca houve qualquer sacrifício providenciado para o apóstata (reprovado) se voltar em primeiro lugar (de acordo com o calvinismo). Parece claro também do contexto que o fato de nenhum sacrifício retar é diretamente conectado ao ato de apostasia em si em vez de algum decreto secreto que eternamente bloqueou os reprovados de quaisquer benefícios da expiação. O fato de não haver mais para onde voltar, então, é diretamente relacionado ao ato de rejeição (apostasia) e não a qualquer decreto secreto eterno.

Verso 27: Mas sim, uma certa terrível expectação de julgamento, e um ardor de fogo estando a ponto de devorar os adversários.

Não resta mais sacrifício pelos pecados do apóstata, mais há algo que permanece, a promessa de eterno julgamento abrasador. Este verso ensina plenamente que o destino do apóstata é o fogo do inferno. Este verso claramente ensina que o destino do apóstata é o inferno de fogo. O destino do apóstata é "e um ardor de fogo estando a ponto de devorar os adversários", dado que o apóstata se fez adversário de Deus mediante sua rejeição do sacrifício de Cristo e portanto sofrerá o destino dos inimigos de Deus.

Precisamos nos deter brevemente para considerar uma interpretação por alguns proponentes da segurança eterna incondicional que tenta traçar um paralelo entre esta passagem e 1Co 3:14-15:

Se a obra de alguém que construiu sobre ele permanecer, receberá recompensa. Se a obra de alguém se queimar, o construtor sofrerá perda; porém o tal se salvará, contudo, como que passado pelo fogo. {1Coríntios 3:14-15 BLIVRE}

Baseados em seu entendimento de 1Co 3:14-15 é alegado que apenas uma perda de recompensas está em vista em Hb 10:27. Porém, o contexto de Hb 10:27 não permite tal interpretação dado que está descrevendo o destino do apóstata e não as suas recompensas. O apóstata se tornou inimigo de Deus e sofrerá a mesma ruína eterna de todos os inimigos de Deus. O paralelo com Hb 6:8 é significativo:

Mas produzindo espinhos e abrolhos, é reprovável, e perto está da maldição, cujo fim é ser queimada. {Hebreus 6:8 BLIVRE}

É importante notar que a terra é queimada e não somente os espinhos e abrolhos. A terra representa claramente o estado final do apóstata em Hb 6:8 e faz paralelo com o estado final e destino dos apóstatas em Hb 10:27. É exegese forçada, na melhor hipótese, insistir que recompensas estão em vista em qualquer destas passagens. Devemos também comentar o contexto de 1Co 3:14-15. Aqueles que poderiam sofrer perdas são os construtores (Paulo e Apolo especificamente no contexto imediato, cf. 3:6-9) que firmaram na base de Jesus Cristo (versos 11-12).

A passagem fala da qualidade do trabalho realizado por aqueles que estavam firmes na fundação de Jesus Cristo. Apenas crentes podem estar em vista aqui, o que não é o caso de Hb 10:27. 1 Co 3:14-15 não fala do fruto da fé e o Santo Espírito na vida pessoal de alguém (p.ex. Jo 15:1-6; Gl 5:22-23), mas da qualidade e eficácia da obra ministerial em construir o corpo de Jesus Cristo (versos 12-15). Estes construtores permanecerão salvos porque eles se firmaram na fundação segura, mas não terão nada para mostrar de suas obras porque não se firmaram sabiamente. Seus esforços, entretanto, provarão ser em vão.

Versos 28,29: Menosprezando alguém a Lei de Moisés, morre sem misericórdias sobre a palavra de duas ou três testemunhas; De quanto pior castigo pensais vós será julgado merecedor, aquele que pisou o Filho de Deus, e estimou por profano o sangue do Testamento, no qual ele foi santificado; e insultou o Espírito da graça?

Estes versos colocam imensa dificuldade para o calvinismo e enfrentaram alguns dos mais infelizes atos de tortura exegética por aqueles que desesperadamente tentam manter suas doutrinas do doloroso naufrágio das implicações claras destes versos.

Os versos 28 e 29 indicam que a punição em vista está além da morte física como fora notado acima. O escritor está aqui demonstrando a justiça de Deus em Seu furioso e eterno julgamento do apóstata que foi tão vividamente descrito no verso 27. Este "mais severo" castigo é bem merecido porque o apóstata "pisou o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança no qual fora santificado, e insultou o Espírito da Graça".

A maior dificuldade para o calvinismo nestes versos é o fato de que o apóstata é dito ter sido santificado pelo sangue da aliança. Discutiremos isto em outro momento, mas também é importante notar que o apóstata "pisou o Filho de Deus" e "insultou o Espírito da Graça".

A natureza e abrangência da expiação tomam foco nestas passagem em vista do justo julgamento divino para o apóstata. Precisamos lembrar que no calvinismo nenhuma provisão fora feita para o reprovado. Jesus Cristo não derramou Seu sangue pelo reprovado. Este sacrifício não foi intencionado para aqueles que Deus decretou destruir antes mesmo de o mundo ter sido criado. A maioria dos calvinistas diz que o Santo Espírito "passa ao largo" destes reprovados e nega-lhes a graça necessária para crerem e serem salvos.

Se o Santo Espírito não tem intenções de salvar os reprovados e deliberadamente reteve graça salvífica para eles, então como pode possivelmente ser dito que estes supostos "reprovados" (i.e. apóstatas) insultaram o Espírito da Graça? Em que sentido seria eles poderiam possivelmente terem pisado o Filho de Deus se o Filho de Deus não fez provisão para eles? Eles não rejeitaram verdadeiramente o sangue de Seus sacrifício, dado que tal sangue nunca fora intencionado ou providenciado para eles. Os reprovados não tem nada para rejeitar porque Deus não fez nada disponível a eles. Como então Deus está justificado em julgá-los acerca desta "rejeição"?

A passagem responde a esta questão para nós de uma maneira que cria ainda mais problemas para o precioso P do calvinismo. Os apóstatas são condenados porque o sangue de Cristo não foi apenas verdadeiramente derramado por eles mas de fato santificou-os. O ato decisivo de apostasia é, por esta razão, um tão grave pecado e completo insulto ao próprio Espírito da Graça que aplicou este sangue santificador da aliança (conf. 1 Pe 1:1,2; 2Ts 2:13). Este é o porquê de um apóstata merecer tão severa punição (verso 29).

Calvinistas estão bem a par das implicações destes versos e vieram com algumas maneiras engenhosas de aliviar a dificuldade. Examinaremos duas dessas interpretações propostas em nossos próximos dois posts. Após isto examinaremos os versos 31-39.


META
Título Original  
Autor kangaroodort
Link Original  
Link Arquivado  

Nenhum comentário:

Postar um comentário